Falar está entre as ações diárias mais importantes e, pelo menos na aparência, mais simples. Todo dia, na ponte de comando de nossa mente, pronunciamos corretamente e sem esforço uma enorme quantidade de palavras, enquanto na sala de máquinas nossos laboriosos sherpas estão ocupados compondo e decompondo frases, assegurando plena fluidez a nossos discursos. Não sabemos como isso acontece, mas acontece. A mesma coisa vale para quando escrevemos no computador. As palavras na tela são uma expressão direta da ação dos dedos que correm velozes pelo teclado. Estes dedos, por sua vez, seguem os mandos de caminhos nervosos muito intricados. Não é raro que, enquanto escrevemos, alguém se dirija a nós para chamar atenção. Pelo menos de imediato nosso plano de ação (digitar a última frase) não muda. Antes, respondemos enquanto os nossos dedos continuam a se mover? Como isso é possível? Bem, quem leva a cabo a frase começada são os nossos fiéis sherpas. E o que dizer então, de quando dirigimos? Quem não lembra a insegurança das primeiras vezes? As mãos grudadas na direção por medo de perder o controle, para evitar os outros carros, para não se perder em lugares familiares. Isso sem nem mencionar a vontade de descer e mandar tudo para o diabo, evitando assim o julgamento alheio. Daí, toda atenção voltada ao caminho e aquele jeito engraçado de intimar quem está ao nosso lado “por favor, falamos disso mais tarde”.
Mas com o passar do tempo, tudo se torna mais simples. Surpreendemo-nos fazendo mais coisas ao mesmo tempo. Isso não significa que tudo dê certo. Por vezes, concentrados em correr atrás de pensamentos fugazes ou distraídos por uma conversa ao telefone, esquecemos de tomar a saída da rodovia, isso sem que nossos afeiçoados sherpas nos sinalizem o erro em andamento? Afinal, o que é que podemos exigir? Eles são treinados a executar tarefas bastante específicas, e a nunca abandonar a missão. Sem indicações cuidadosas, eles apenas garantem, por assim dizer, os serviços essenciais. Aliás, é graças a eles que podemos levar a cabo, sem esforços ou controles excessivos, as tarefas diárias, enquanto nós nos entretemos com coisas mais ou menos importantes. Eu acho que deveríamos ser mais generosos em relação a esses pequenos e simpáticos seres que se acotovelam nos bastidores de nosso teatro mental. O seu trabalho obscuro moldou os maravilhosas mecanismos de nossa vida relacional. Também graças a eles, realizou-se aquela formidável sincronia entre movimento, pensamento e linguagem que envolve os andares “altos” e aqueles “baixos” de nosso cérebro. Ainda graças a eles conseguimos modificar nossas ações pré-programadas e antecipar as escolhas futuras.
Mas talvez os sherpas não existam, embora muitos gostem de pensar que sim. É provável que as nossas dificuldades para compreender como são realmente as coisas dependa nem tanto do problema em si, quanto das hipóteses até agora levantadas sobre a natureza de nossas estruturas inconscientes e sobre como elas influenciam os nossos comportamentos.