Mesmo a luta em direção ao topo de uma montanha pode preencher o coração de um homem. Esse é o sentido do sensibilíssimo Um ano Sísifo, de Edgar Morin. Assim como para Sísifo – condenado pelos deuses a levar a cada vez, de volta ao topo da montanha um rochedo, depois de este ter rolado pela enésima vez até o vale – na breve temporada de 1994 paira uma punição tremenda: recomeçar tudo, desde o começo. E de novo, mais uma vez. Sem que isso chegue a ter fim. À margem deste breve texto de sua existência, o autor anota minuciosamente detalhes da vida diária e de eventos públicos, momentos de ternura e melancolia profundos, impressões e perguntas sobre nosso tempo, gerados pelo embate ininterrupto entre um presente indeciso e um futuro insondável.
O pensador francês recusa-se a viver à espera de uma guinada imprevista, assim como se recusa a viver na automaticidade dos dias copiando os dias. Não é necessário render-se ao mundo assim como ele é, adverte-nos. Nem abandonar-se à dilacerante espera de algo, de alguém: o destino, a sorte, ou até mesmo Deus. É preciso chamar a vida à plena voz. Mesmo quando ela se recusa a revelar-se. A esperança mostra que o mundo está em movimento e em evolução. Mas cuidado! A esperança não é um prêmio de consolação para as vicissitudes dos indivíduos e da História: ela é um esforço para apreender o movimento profundo das coisas,  sua evolução.
Nas franjas de interferência de uma vida de pensamento e impulsos instintivos, Morin se perde, se procura e torna a encontrar-se. A soberba da racionalidade coloca o homem diante de si mesmo, revela sua nudez primordial, a fragilidade plena. A alternativa é decidir-se a aceitar ou não a vida em um universo desses. Mas o que significa viver nesse tipo de universo? Simplesmente viver para o homem, para a própria Terra Pátria. Um amor, porém, nada ingênuo. Morin sabe o que está à sua espera; contudo, não se deixa enredar pelo anseio paralisante por outra vida, porque sabe que não pode tê-la. Ainda assim, nessa escolha não há renúncia. Quando muito, revolução, luta contínua. O caminho é sorrir diante do absurdo do mundo, mergulhar no mar da vida, na ondulosa indiferença do real.
Este diário não é a lúcida focalização dos infinitos altos e baixos da existência, mas uma atenta fenomenologia da viagem de um homem em direção a seu destino. Somente esse exercício pode marcar a despedida do surpreendente e enganoso espetáculo de um eu legislador e dominador. Ao ir ao encontro do próprio destino, Morin está consciente de tudo, liberto do sonho de outra existência, dos medos, das falsas crenças em idola religiosos, de qualquer vocabulário de identidade. Seu caminho, que é caminho do pensamento e pensamento do caminho, é aclarado apenas pela luz tênue da própria razão. Assim chega nas proximidades da vida: um grande rio alimentado pelas correntes da fraternidade e do amor, mas também pela luta e pela esperança, que conflui, juntamente com outros rios, no grande mar da humanidade.
Nessa narração de mil vozes atônitas, de chamados inconscientes e secretos, todos cerrados em sua societas interiore, Morin parece nos dizer: “Não existiria o sol sem a sombra. Deves conhecer a noite, até o fim”. Mas também: “sorri do mundo e imagina-te feliz”.

Leave A Comment

Il tuo indirizzo email non sarà pubblicato. I campi obbligatori sono contrassegnati *