Por boa parte do tempo, fazemos escolhas com base em instâncias não plenamente conscientes. Claro, decisões fundamentadas em estratégias de raciocínio formal são possíveis, mas elas sempre devem ser cotejadas com a memória de eventos passados para a formulação de soluções voltadas à obtenção dos resultados que se desejam. Especialmente em situações de incerteza, sistemas como esses são extremamente úteis para agirmos com perícia e rapidez. De fato, é bem mais “econômico” valer-se de determinados sinais que analisar algumas situações em todos os seus detalhes.
Nos últimos anos, a capacidade de as emoções influenciarem nossas decisões racionais está no centro de intenso debate. Todos os dias realizamos ações concretas nada abstratas, das quais temos plena consciência no plano das conseqü.ncias pessoais e sociais.
Além disso razão e emoção não são esferas separadas: ao contrário, a razão é guiada pela avaliação emocional das consequências da ação. Não há, portanto, dualismo nenhum entre mente e corpo: a atividade da mente não coincide com o raciocínio puro, e a do corpo não se limita à satisfação exclusiva das necessidades físicas. Essa separação é um mito. Em seu caminho evolutivo, a mente construiu a si própria de maneira a melhorar as chances de satisfazer nossas necessidades físicas e psicológicas. Para isso, a mente deve receber informações das estruturas neurais que elaboram as respostas afetivas aos estímulos e aos conteúdos da memória.
Um modelo abstrato de decisão racional não é apropriado para uma pessoa que deve realizar escolhas o tempo todo. Na verdade nem sempre estamos em condições de escolher entre opções claras e, além disso, muitas vezes devemos decidir rapidamente entre condutas diferentes. Para o pesquisador, então, é necessário identificar um equivalente fisiológico – um “marcador somático” – apto a discriminar os diferentes comportamentos e a nos auxiliar a esclarecer tanto a natureza das decisões quanto suas implicações psicobiológicas. Por exemplo, um filme de terror provoca reações nada frias, ou meramente racionais. Elas são literalmente físicas. As mãos podem transpirar e os músculos do rosto e do estômago, se contrair. A própria memória desses eventos é capaz de reativar intensas reações físicas, ou, ao menos, a lembrança dessas reações. Isso induz a crer que a urgência de formular uma decisão implica a ativação das representações de eventos similares que vivenciamos no passado. Essas lembranças, no entanto, não são vividas como experiências abstratas: estão impregnadas das emoções a elas associadas. Mas como é possível reviver eventos passados e quais as consequências emocionais e afetivas de nossas experiências anteriores?
Contra o lugar-comum de que seria melhor não se deixar levar pelas emoções, as memórias emotivas são essenciais para a decisão. No plano subjetivo, as emoções sentidas nos colocam em guarda contra as escolhas associadas às sensações negativas e nos fazem tender por aquelas ancoradas a sensações positivas. No plano fisiológico, no entanto, o indicador de emoções expressas (marcadores somáticos) faz com que prevejamos, com ótima aproximação, as consequências emocionais de toda ação possível. Estas emoções podem até não nos levar à escolha ideal, mas restringem o campo das escolhas possíveis. A memória processual é um recurso limitado e, como não podemos examinar todas as opções que uma situação nos oferece, os marcadores somáticos são uma excelente maneira de apontar a melhor escolha entre as opções possíveis.