Toda forma de separação, mesmo a mais trágica e violenta, sempre é uma separação do próprio Eu, daquela parte de nós que é aquele determinado lugar, aquele determinado episódio. Até por isso a nostalgia é um sentimento terno e tocante, doce e doloroso. Claro, sempre nos separamos de alguma coisa que vivemos ou que viveu em nós, mas sempre é do nosso Eu de outrora que nos separamos. Origina-se desse adeus, a nostalgia. Aquele nós vivido naquele tempo e naquele lugar não existe mais. Transformou-se irremediavelmente e é impossível tê-lo de volta.Embora tocante e dolorosa, a nostalgia também é um sentimento aberto, porque por meio das lembranças nos devolve o tempo da infância, da adolescência, os lugares conhecidos, as paisagens vistas, as pessoas amadas. Coisas que no tempo se tornam parte de nós mesmos. Reaver alguma coisa que tivemos nos ajuda a carregar conosco aquilo que fomos, a retomar o caminho. Sem arrependimentos e com uma consciência nova: que, se o objeto ou a pessoa recordada não podem mais voltar, poderemos, de todo modo, reencontrá-los na memória, e que aquilo que não podemos mais reviver no tempo poderemos reviver na linguagem. Todos nós aspiramos a um lugar em que nunca estivemos, mas que é o centro de nosso ser. Quando Proust escreve “basta que um ruído, um cheiro já sentido ou respirado outra vez, o sejam novamente, em um só tempo no presente e no passado, reais sem ser atuais, ideais sem ser abstratos”, diz como a realidade ultrapassa a atualidade, que esta é apenas a ponta do iceberg da realidade. O presente não é tudo. Ele, todavia, não deve ser contraposto ao possível, como muitas vezes acontece, porque o real é mais profundo do que parece. É real sem ser atual, ideal sem ser abstrato. Por isso o inaparente não é simplesmente uma abstração, mas uma idealidade que tem vida.
Mas não é apenas a escrita o lugar eletivo da nostalgia. Há uma sensação à qual não conseguimos dar concretude, sentido ou nome e que tem a ver com a nostalgia: uma sensação de suspensão, de indefinido, de incompletude. Na verdade, vivemos todos na incompletude, na finitude, dentro de um limite. Pensar, agir, amar, movermo-nos entre os homens, requer o conhecimento desses limites. Se aceitássemos essa finitude – porque impotentes diante do tempo – a nostalgia teria um rosto positivo. A nostalgia nos diz que o que vivemos, amamos e de que cuidamos não voltará mais; que estamos em movimento contínuo e não podemos ser o que fomos outrora; que é preciso reconhecer o limite do tempo: um tempo que nos transcende, que não nos pertence mais. A nostalgia fala de um tempo irrevogável. “Nós mudamos”, diz Pessoa. “Lisboa, torno a te ver, mas eu não me revejo.” O poeta português está exilado de si mesmo: um exílio que é nostalgia de uma língua, da própria língua, do próprio Eu; exílio que é falta de lugar, impossibilidade de sentir-se em casa; exílio que é frágil pertença, um ser sempre algures. Duplamente exilado, do mundo e de si mesmo, Pessoa se revela no horizonte de uma perda radical. Os lugares, as imagens, os rostos perderam sentido. Não porque envelhecidos, desgastados ou corrompidos, mas porque a amplidão da derrota por eles sofrida deixou um vazio, um silêncio inóspito.