A inspiração mostrou-se como uma vibração do corpo, um sopro tenso da mente que se levantava na insônia noturna. Era força libertadora, ímpeto dilacerante, agitação que sobe dos recessos mais obscuros da alma, dos cantos mais remotos do espírito. Tinha a sensação de que havia dentro de si um fragor, não uma harmonia. Percebia a hostilidade das palavras. Todo o corpo o colocava em guarda contra as palavras. Ademais, cada palavra, antes de se deixar pôr no papel, olha em torno de si, circunspecta, em todas as direções. Apesar de tudo, ele extraía as palavras do magma indistinto da vida e da linguagem. Recomeçando a cada vez, desde o início, compondo encaixes laboriosos, encontrando lugar para cada palavra já escrita em fuga para outros lados. Desde aquela noite febril, tentou a procurar seu caminho. Aprendeu a essencialidade. Renunciou a toda vontade de expansão e de variação. Talvez ninguém tenha conhecido um desejo tão poderoso de medida e de controle. Como se temesse ultrapassar a fronteira que um Deus desconhecido lhe atribuíra. “O círculo limitado é puro”, afirmou. Não poderia fazer mais. Talvez por isso também continuou a acreditar por toda a vida que era culpado. A naturalíssima propensão à escrita não o impedia de perceber toda a fragilidade desse dom. Mas desconfiava de sua inspiração. Sabia que separara sombra e terra, mas conhecia a vertigem que se sente ao olhar o mundo lá de cima. Reencontrou confiança apenas quando começou a escrever. Somente então começou a acreditar em sua capacidade de escrever. E principalmente que a escrita daria consistência, plenitude, liberdade a seu destino de homem. Por quase seis meses, tenso, numa lucidez febril, plenamente dono de si, não se deteve. Não podia se deter. Escrevia, totalmente arrebatado, inspirado e desesperado pelo poder da escrita.