Era apenas o ano de 1920 e Sigmund Freud já previa lucidamente a formidável temporada que está revolucionando nossos conhecimentos sobre o cérebro humano. Quanto caminho já foi percorrido desde então! O nascimento de novas teorias e o crescimento impressionante dos dados experimentais levaram muitos a acreditar que logo poderemos conhecer o que acontece do neurônio ao pensamento. Na verdade, nem sempre os modelos propostos se mostraram à altura do desa o. Basta pensar nas tentativas de explicação da consciência por meio de modelos matemáticos que naufragaram miseravelmente diante do problema da subjetividade. Acredito que esses insucessos devem ser atribuídos não apenas a uma adesão extremamente desenvolta aos modelos das chamadas hard sciences (a física, a química e a biologia), mas também à morna disponibilidade dos neurocientistas cognitivos e dos psiquiatras em aceitar uma ideia mais aberta do estudo da mente. A natureza complexa do cérebro exige uma mudança de perspectiva. O cérebro humano não pode ser concebido como um computador feito de circuitos pré-fabricados pelos genes. A estrutura do cérebro, derivada de processos de seleção neuronal, torna-o muito diferente de um “todo genético cerebral”. Foram justamente seus vínculos com o ambiente físico, social e cultural que zeram dele o motor da evolução das espécies.
Bastariam esses argumentos para demonstrar por que não podemos mais estudar os fenômenos cerebrais apenas por meio de métodos tradicionais: isto é, fragmentando o objeto de pesquisa até a entidade mais simples, analisando poucas variáveis de cada vez, estudando as causalidades lineares na ausência de relações de feedback e assim por diante. A pesquisa sobre o cérebro requer capacidades de integração dos resultados experimentais e de seus níveis lógicos. Somente assim pode-se ter a esperança de superar os obstáculos conceituais e as lacunas explicativas. É hora, en m, de as neurociências cognitivas superarem a si mesmas e se estabelecer uma nova aliança – entre a loso a da mente e a loso a da linguagem, a linguística e a neurobiologia, a psicologia e a lógica, a inteligência artificial e a ciência cognitiva – para um novo modelo de nossa vida relacional. Dificilmente nascerá uma nova ciência da mente se não for reconhecida plena dignidade científica a temas como a empatia, a intersubjetividade, as qualidades estéticas, o livre-arbítrio, os interesses individuais.