Ter um olhar novo, tornarse um olhar novo, deveria levar a uma assunção plena da mudança. Mas, daquele olhar, não somos mais capazes. Se o sentir de dentro se exteriorizou (isto é, não flui mais de um movimento íntimo), o sentir de fora estranhou-se completamente do mundo, da vida. O deslocamento do desejo em direção ao imaterial, não mais como antigamente em direção às coisas, sela a realização de uma cesura. O corpo deixou de ser o lugar do sentir. Parece ter se tornado um território inorgânico, um espaço fechado onde as experiências, corrigidas do próprio signficado, se despedem do sentir comum. A experiência foi neutralizada por um formidável processo de virtualização, de desobjetivação, de desaparecimento das relações. Expropriados da capacidade de sentir e alimentar desejos, os corpos parecem cada vez mais as matrizes biopolíticas instáveis, nômades, dispersas nas geogra as urbanas impensadas. Nessa paradoxal condição, a própria linguagem parece ter se arrastado do naufrágio do Eu, esmagado por um convulsivo e indistinto fluir de coisas, nem domináveis, nem nomináveis. Gestos e sinais revelam um radical êxodo da identidade: a identidade de si com a própria terra-pátria, com a própria linguagem, consigo mesmos. Nada mais parece ser capaz de expressar a realidade como ela é. A unidade da pessoa se dissolve em um brusco descolorir de emoções e reações. As coisas não estão mais no próprio lugar e a linguagem não consegue contá-las. Ainda assim, perturbador/avassalador não é o silêncio da realidade, mas sim o multiplicarse de suas vozes, o seu permanecer embargado, diante de um vazio de significado, sobrecarregado pela extenuante e ininterrupta epifania que a cerca por todos os lados. A linguagem não consegue carregar essa realidade lacerada, desfeita, furada. Tendo se tornado já um gesto fonológico, estrutura de separação, não agarra o cone de sombra que nos tornamos, depois de nos termos iludido de poder passar e declinar a nossa existência nas fronteiras da aparência, dos jogos cuja soma é zero de realizações e dos arbítrios da vontade. Essa condição indecisa entre conscientização e inconscientização, sonho e vigília, reflexos e recessos da consciência vai além de uma linguagem já incapaz de contar o seu sonho obscuro, a cena na qual somos atores e espectadores de um drama em que nem mesmo a ciência é estranha.

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