Se eu pudesse sintetizar em poucas palavras o sentido dos últimos anos de minha vida intelectual, eu diria que tudo está na pesquisa do continente desconhecido que nos guia e nos dá a ilusão de tomarmos decisões. Por mais desproporcional que este desafio seja, todos os meus esforços estão voltados a dar conta dessa presença misteriosa. Alguém poderia perguntar: por que não recorrer ao termo inconsciente no sentido da psicanálise? Sem dúvida seria mais confortável e sossegador caminhar num terreno já batido. Isso me manteria à distância de temíveis insídias conceituais. Porém, existe um campo de forças mais vasto daquele no qual Freud entreviu instintos, desejos e pulsões (em permanente conflito com motivos éticos e racionais), cuja insatisfação origina as neuroses. Um universo de forças arcaicas está na origem de ações, automatismos, motivações, universo para o qual o termo inconsciente parece insuficiente. Que fique claro, seria insensato, e até mesmo extravagante, lançar luz nos limites de uma teoria que deriva dos conhecimentos de mais de um século atrás. O passado não se julga com as lentes da atualidade, quiçá colocando entre os bons os que estavam certos, e entre os maus os que que estavam errados. Ter identificado algumas das forças motoras da psique humana (pulsões, instintos e dinâmicas afetivas profundas) foi uma gigantesca empreitada intelectual, uma pedra miliar na história da cultura humana. Ainda assim, aquelas intuições não esgotam as perspectivas. Hoje sabemos que há outros territórios. É necessário investigá-los para iluminar as estruturas profundas sobre as quais se apoia o palco iluminado no qual acreditamos que nossa vida se desdobra.