Todo novo início está relacionado com a esperança, um continente tão apinhado quanto inexplorado. Acredito que a esperança tenha sido oferecida aos homens para que não aceitassem o mundo assim como ele é, para que apreendessem o movimento das coisas, e não como prêmio de consolação pelas vicissitudes individuais ou da história. Há uma imagem kantiana que retrata a racionalidade humana como uma cândida pomba que teme o ar como se ele fosse um obstáculo. A pomba não vê que precisamente o ar é o que sustenta seu vôo. É bem isso, a esperança é o ar que sustenta a razão. Sem ela, a razão não levantaria vôo, mas sem a razão, a esperança seria cega.
Nem sequer nesse momento de tantas extraordinárias brumas do pensamento, na tremenda incerteza de uma vida sem amanhã, neste longo inverno da alma, a esperança pode faltar. Otimismo? Nada disso. Otimista é aquele que não se preocupa em dar uma direção ao futuro. Mas quem espera, ao contrário, está além do otimismo e do pessimismo: é quem atravessa a noite do niilismo para superá-lo. E não é nem um pouco verdade que a esperança não teria relações com o medo. Ambas tendem para um objetivo e ambas expressam uma preocupação. Mas o medo está voltado para trás e faz com que falhemos. A esperança extrai do futuro, impelindo-nos a agir.
Há muitas pessoas por aí convencidas de que o comportamento humano seja ditado apenas pela racionalidade; outras, em sentido oposto, de que a vida não teria nenhum, que nossas ações seriam guiadas pelo silêncio puro. Quem espera, no entanto, sempre tende em direção a alguma coisa. Ao testemunhar essa utopia bem concreta, a esperança diz duas coisas: que um mundo melhor não pode depender exclusivamente da racionalidade fria, que, aliás, deve ser temperada por uma correnteza quente. Em outras palavras, a racionalidade é indissociável do magma, por vezes opaco, das emoções. Por isso não se deve aranhar a superfície de um homem (procurando transparências tão absolutas quanto improváveis), mas reconhecer o núcleo de escuridão que o habita, tentando esclarecer suas sombras, sem cancelar suas refrações, suas intermitências cinzentas,das quais vida é constelada.
Tarefa do tratamento, de qualquer tratamento, é deixar filtrar luz nos espaços de claro-escuro da existência, fazendo recuar a linha de sombra que a atravessa. Todavia, uma explicação que deixe de honrar o mistério é uma explicação falsa. Falsa assim como os mitos da luz total projetada nos homens e no mundo. O homem está cercado pelo mistério. Sempre estamos em companhia de nós mesmos, mas quase nunca nos encontramos. Somos os destinatários das mensagens que provém do nosso inconsciente, dos sonhos e dos desejos, ainda que para nós permaneçam, em sua maioria , indecifráveis. Nunca sabemos realmente o que somos. Demasiadas coisas estão repletas de alguma coisa que falta.
A descoberta mais original da psicanálise é ter compreendido que nossa cristalina e transparente consciência das coisas e de nós mesmos, na realidade, é opaca. Que nosso presente é opaco. Por isso não deveríamos nos projetar no futuro como tal, mas tender em direção ao centro de nosso ser, apreendendo a eternidade em um instante, reconhecendo a vida em cada respiração. Precisamente como para a arte, especialmente a música, por excelência lugar de pathos e de perfeição formal. Aqui, nessa busca do sentido da existência, para além da impermanência do instante, o sentido das coisas se nos revela.
Tradução: Roberta Barni