Numa nota à margem do famoso ensaio de 1919, Sigmund Freud escreveu:

[…] Estava sentado, só, no compartimento do vagão-leito, quando, por um tranco mais violento do trem, a porta que dava para o banheiro contíguo se abriu e um senhor idoso, de pijama e um gorro de viagem na cabeça, entrou na minha cabine. Supus que ele tivesse errado a direção ao sair do banheiro, que cava entre as duas cabines, e que tivesse entrado na minha por engano; aproximei-me dele para explicar-lhe o ocorrido e percebi de repente, com grande espanto, que o intruso era minha própria imagem refletida no espelho fixado na porta de comunicação. Lembro ainda que aquela aparição não me agradou nem um pouco.

A que Freud faz alusão? O que é essa estranheza que irrompe, tornando inquietante aquilo que é familiar? O que questiona essa sua exposição ao mundo, sua exterioridade, sua imagem, ele mesmo? O que é que torna seu próprio rosto irreconhecível e estranho para si mesmo? Onde se origina aquela sensação de ter encontrado alguém vindo de um canto sombrio, cujos gestos, curiosamente, lembram os seus? Freud conhece perfeitamente o limite que separa a lucidez do ato consciente das névoas de um estado crepuscular.
A experiência de Freud mostra que a consciência e as fortalezas conceituais para dentro das quais a vida se retirou não garantem o contato direto com o mundo. Como um jogo paradoxal, a divergência entre visto e vivido, entre significante e significado, entre eu e imagem, é permanente: a experiência vivida e o eu não coincidem com o que se vê e o que se vive, no sentido de que o olho vê a partir da própria cegueira, a partir de seus sonhos. Isso significa que se não sonhar, não vê, porque as coisas que vejo me olham. Por isso, por trás da aparência não há uma coisa em si, mas o próprio olhar. Isso demonstra que a essência nada mais é do que a condição de recusar a centralização dos significados, que a metáfora não remete a nada além de si mesma e que a pretensão de reconduzir o significante ao significado não tem sentido. Além da pretensão de possuir os significados, resta a experiência, a vida. Porém, se cada história é uma história de metáforas que discurso poderia falar delas sem deixar que elas falem dele? Em que sentido, designando uma metáfora, tornamo-nos nós próprios também metáfora?

Leave A Comment

Il tuo indirizzo email non sarà pubblicato. I campi obbligatori sono contrassegnati *