È espantosamente interessante o que está acontecendo à nossa volta. Às conturbações que marcam nossa época, e que escandem minuto a minuto nossa vida, parece corresponder a mais dramática insuficiência de meios intelectuais circulando. Nenhuma descrição estável desse tempo descosturado, entretecido de rompimentos e de traumas. Nenhuma interpretação sólida das tendências e contratendências para nos ajudar a compreender essa época de utopias invertidas, de costuras impossíveis, de rasgos. No entanto, nem sequer essa névoa do pensamento, nessa tremenda incerteza de uma vida sem porvir, não se pode perder a esperança. Alguém poderia dizer que se trata de ingênuo otimismo. Mas otimista é quem não se preocupa em dar uma direção diferente ao futuro. Quem tem esperança está além do otimismo e do pessimismo. Tem esperança quem atravessa a escuridão para superá-la. E não é verdade que a esperança não tem relações com o medo. Ambos tendem para um objetivo; e ambos expressam uma preocupação. Mas o medo se volta para trás e nos faz falhar. Ao passo que a esperança, ao contrário, se alimenta de futuro e nos impele a agir.
A esperança não e um prêmio de consolação pelas durezas da vida, mas é o motor da mudança. Em sua ausência, a razão não levantaria voo. Por outro lado, sem a razão, a esperança seria cega. Como impulso vital da razão, a esperança permite ao pensamento ultrapassar a experiência imediata. Isso posto, há muitas pessoas por aí certas de que o comportamento humano seria ditado apenas pela racionalidade; outras, inversamente, certas de que a vida não teria o menor sentido e que nossas ações seriam guiadas pelo puro impulso.
A esperança sempre tende em direção à alguma coisa. Como a utopia mais que concreta que é, de um lado ela nos diz que um mundo melhor não pode depender apenas da fria correnteza da racionalidade; de outro, que essa correnteza fria deve ser temperada por uma “correnteza quente”: a de nossas emoções. Em suma, a racionalidade é indissociável do calor das emoções. É por isso que não é preciso esfolar a superfície de um homem, procurando transparências tão absolutas quanto improváveis. É preciso, antes, reconhecer o núcleo de escuridão que o habita, passando deste para a claridade, sem apagar suas refrações, a opacidade de seus sonhos, as intermitências cinzentas das quais a vida de cada um de nós é constelada.
Tarefa de um tratamento, qualquer tratamento, é deixar filtrar a luz nos espaços do claro-escuro da existência, fazendo recuar a linha de sombra que nos atravessa recuar. Todavia, uma explicação que deixe de admitir o mistério é uma explicação falsa. Falsa como os mitos da luz total projetada sobre os homens e o mundo. Somos cercados de mistério. Sempre estamos em nossa própria companhia, mas quase nunca nos encontramos. Somos os destinatários de mensagens que nos alcançam vindas do inconsciente, de sonhos e desejos, embora em sua maioria eles permaneçam indecifráveis para nós. Nunca sabemos realmente o que somos. Demasiadas são as coisas repletas de algo que falta. Mas de onde retirar a energia, a não ser da chama da esperança, o mais humano de todos os sentimentos?
A descoberta mais original da psicanálise é a de ter compreendido que nossa cristalina e transparente consciência das coisas e de nós mesmos é, na verdade, opaca. Que nosso presente é opaco. É por isso que não deveríamos nos projetar no futuro como tal, mas tender, guiados pela esperança, em direção ao centro de nosso ser, restituindo sentido a cada instante de nossa vida. Precisamente como acontece com a arte: especialmente a música, lugar, por excelência, de pathos e perfeição formal. É precisamente aqui, nessa busca do sentido da existência, para além da impermanência do instante, que o sentido das coisas se revela para nós.

Tradução de Roberta Barni

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