Um silêncio paradoxal e enigmático envolve a história. Um tempo acidental, de utopias invertidas, emoldura uma experiência suspensa, sem direção, que se despediu definitivamente do passado. O progresso fixou o fio do tempo ao redor de um eterno presente: um presente cada vez mais irrepresentável. As respostas ao problema da temporalidade não resolveram o enigma: apenas permitiram ao homem historicizar o próprio tempo biológico. Mas o que acontece se nossa duração estiver sendo esmagada por uma aceleração técnica sem precedentes? Como decifrar o sentido de uma história que nos domina e na qual, no entanto, estamos inseridos? Como solucionar as miríades de vidas individuais, a imensa variedade de empreitadas, mitos, sentimentos, teorias e valores construídos pela humanidade ao longo de seu caminho? Como conseguir, se nossos julgamentos hesitam, prejudicados por um niilismo que os desvaloriza e os imita em seu caráter absoluto?
Movimentos e transformações de nossa condição desenham as margens de um deserto (não importa que seja um deserto metropolitano), de um território indesignável, de uma ordem que o próprio movimento assume ao dar forma ao espaço. Nesse Gobi de nossa contemporaneidade nenhuma morada é mensurável pelo fundamento, mas por uma errância que contempla toda transição, sem nunca ser apreensível. Sim, porque o deserto nos convoca para fora de nós mesmos, para fora do espaço dentro do qual o tempo se desdobra e se consome. No entanto, ter um novo olhar, tornar-se novo olhar, deveria levar a assumir plenamente a transformação. Mas já não somos capazes desse olhar. O sentir interior exteriorizou-se, o sentir exterior estranhou-se do mundo da vida. O deslocamento do desejo em direção ao imaterial, e não mais como outrora, em direção às coisas, sela este rompimento. Em suma, o corpo deixou de ser o lugar do sentir. Parece ter se tornado um território inorgânico, um espaço fechado no qual as experiências se despedem do sentir comum. A experiência foi neutralizada por um formidável processo de virtualização, de desaparecimento das relações. Expropriados da capacidade de sentir desejos, os corpos parecem cada vez mais matrizes biopolíticas instáveis, nômades, dispersas dentro de geografias urbanas impensadas.
As coisas já não estão em seu lugar e a linguagem já não sabe contá-las. No entanto, perturbador não é o silêncio da realidade, mas a multiplicação de suas vozes, o fato desta permanecer interdita, diante de um vazio de significado, vencida por uma extenuante e ininterrupta epifania que a assedia por todo lado. Nossa linguagem não consegue encarregar-se dessa realidade dilacerada, desfiada, furada. Agora transformada em gesto fonológico, a linguagem não apreende o cone de sombra que nos tornamos, depois de nos termos iludido de que podíamos transcorrer e declinar nossa existência nas raias da aparência, dos jogos das idealizações, que só trazem vantagem em detrimento de alguém mais. Essa condição indecisa entre consciência e inconsciência, entre sonho e vigília, entre reflexos e recessos da consciência ultrapassa uma linguagem agora incapaz de narrar o seu sonho obscuro, o cenário no qual somos atores e espectadores de um drama ao qual nem a ciência é estranha.
Nossa vida sempre é, de algum modo, o diário de uma busca irrequieta de suas leis misteriosas: da coragem e da esperança de um novo caminho, do sacrifício daquilo que fomos e da dor que atravessamos. Mas o caminho não passa de caminho. Entre muitos, nós escolhemos aquele que a emoção nos indica, fazendo-nos despedir daquilo que ainda não somos. É o esforço do pensamento que move as palavras que nos colocam novamente em condições de agir. Em seu sentido mais radical, pensar é criar novas formas de vida, é ir além do próprio pensamento, visar algo mais que o pensamento: na perfeita consciência que este mais poderíamos apreendê-lo apenas dentro e através do próprio pensamento. Aliás, a pergunta que desde sempre nos aflige — o que, no que se pensa, provém de quem pensa, e o que provém daquilo que é pensado? — permanecerá para sempre indecidível. Esse impasse constitui o limite inevitável do pensamento. É por isso que o pensamento não pode ser um procedimento cognoscitivo, um território de soberania científica. Sua viagem é interminável porque nunca consegue alcançar a própria meta, que afinal é a aspiração mais profunda e mais irrealizável do desejo: aquela que gostaria, mediante as peripécias da viagem, de libertar-se desse peso e de encontrar a simplicidade da origem.
Tradução de Roberta Barni