O tempo é, desde sempre, o cerne de nossas perguntas. Um mistério dentro do mistério. Pensar o tempo é expor-se à derrota de pensamentos e a palavras intratáveis. No entanto, tudo nos remete ao tempo: o ritmo dos dias e das estações, a incerteza do futuro, a impossibilidade de reviver o passado, a experiência da juventude e da velhice, o limiar que se fecha às nossas costas no fim da viagem. Não é apenas a dureza da pergunta a nos confundir: é nossa inteligência, que, apesar de conseguir intuir as tramas sutis do Universo, não consegue pensar o princípio e o fim. Em presença do tempo, nossa imaginação para, e um sutil desassossego invade nossa alma.
Tudo o que até ali sustentara nossas certezas – ideias, números, palavras, até o nosso próprio Eu – vacila. Viver é expiar este paradoxo: sobreviver quando o corpo declina, enquanto tudo passa e nossa existência nos parece clara só de quando em quando. Sombras na luz e luz na sombra. Claro, uma consciência insone nos ajudaria a reconstituir, a cada vez desde o início, lembranças e esquecimentos. Dar-nos-ia a certeza do aqui e agora. Defenderia nossa identidade na transformação. Mas ainda seríamos nós? Realmente ainda seríamos nós, sem as intermitências da memória, sem os voos turbilhonantes da lembrança, sem as inversões repentinas do tempo?
Impelidos pelo silencioso escorrer do tempo, vivemos de distinções. Alguma coisa nos interessa mais que outra. Distinguimos, dividimos, separamos. Escolhemos, sempre abrindo mão de alguma coisa em lugar de outra. Essa aparente liberdade trai a indeterminação de nossos desejos, a inconstância de nossas preferências, a mutabilidade de nossas decisões. Nesse perfeito oximoro – a liberdade de termos de escolher – se descreve a condição do tempo. Todo instante é criação, ato inaugural do existir. Mas o instante não é do tempo, é no tempo. Aliás, o próprio instante é o tempo, o absolutamente único e imprevisível presente que ressoa com os outros instantes. Cada ato nosso de consciência está mergulhado no instante, em um agora que quebra a indiferente continuidade daquilo que é conhecido. É isso o que torna ambivalente toda nova experiência, que assim que nasce já está exposta ao declínio. Nesse enigmático transcorrer sem início, os instantes se juntam para se tornar vivos. Neste presente, o tempo se dilacera e se reata. O passado se transfigura em lembrança. Não como o fragmento de um tempo que foi, mas uma transformação no limiar da existência.